sexta-feira, 15 de julho de 2011

5,6,7,8

          Já não aguentava mais: a leveza para os olhos dos espectadores era dor para a artista. Todo o sofrimento tinha como objetivo a falsidade - demonstrar o movimento sem demonstrar a dor. - estica o joelho, fecha as costelas, encolhe a barriga, abre o en dehors, alonga os cotovelos -  não havia uma ponteira ou meia-calça que não estivesse marcada pelo sangue dos dedos machucados causados pelas constantes pressões da sapatilha.
          A competição era grande: não existe família na arte. Na arte dela não existia. Já não sabia mais se a cobrança interna era maior que a externa, só sabia que queria conseguir dançar - sem motivo, sem pra quem, sem.
          Os dias dos espetáculos aproximavam-se, os ensaios tornavam-se ainda mais intensos e a pressão aumentava - já não sentia mais os pés - e ia para a diagonal praticar a sequência de fouettés e, com raiva,  quebrava o breu pra evitar as quedas - por mais que quisesse cair, mas não queria ser culpada pela desistência - desistência soava, para ela, como covardia.
          5, 6, 7, 8: começava a barra. Primeira posição, plié, elevé, - por que ele não me ama? será que eu realmente o amo? - tandu, segunda posição, plié, elevé, vira a cabeça, port de bras - a professora corrige a postura, aperta o diafragma - os vômitos não têm sido eficientes? - elevé, pirouette, lado esquerdo. Fechava os olhos pra tentar não sentir, desequilibrava-se, mais uma correção era feita. - como alguém do tamanho dela consegue dançar na ponta dos pés? (risos) - ela ouvia, enquanto marcava a sequência de ronds de jambe. E também não sabia como conseguia dançar. Mentira, sabia sim. Simplesmente não dançava. Realmente os vômitos não estavam sendo eficientes. 
           Foundue, relevé, 120º, passé, a la second - eu tentei tanto, mas tanto, por que ela e não eu? - sous sous, outro lado - e, ao mesmo tempo do escorrer de uma lágrima, um fio de cabelo escorregou no seu rosto e o coque foi se desmanchando. Finalizava em uma quinta posição que mais parecia terceira. Mais correções. - É, não tinha como ser eu.
          Ela tentava. Ela queria a perfeição. Queria que não doesse mais, mas já não era possível, a espera já estava grande - tirou a sapatilha e já percebeu olhares de reprovação. Contou quinze. Quinze bolhas. A pele branca destacava os hematomas. A ponteira já não era mais eficiente. Gelol era nada. Xylocaina não ajudava mais. Nove. Nove compridos ela já havia tomado, mas não funcionavam. Sentia dor em músculos que ela nem sabia que possuía.
            Guardou a sapatilha. Engoliu as lágrimas. Não podia ser covarde. Foi preciso coragem pra desistir. Prendeu o fio do coque que havia caído.- se ele não me ama, eu que me ame. Chega disso.
           Nunca mais esqueceu os pliés, jetés, fondues, port de bras. - Um, dois. Cinco, seis. Três, quatro. Sete, oito. - Apenas desaprendeu a contar.
         
   

2 comentários:

  1. Lindo? Maravilhoso? Perfeito? Bom, não sei qual o adjetivo certo pra descrever como me sinto em relação a esse texto. Parabéns Lu!

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