quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Antropofagismo

            A evolução é clara: o que for perdendo sua utilidade passa a extinguir-se; ora por falta de necessidade, ora por falta de prioridade, o "excesso" é eliminado. O cérebro, por exemplo, se não usado, tende a atrofiar-se. [Não que eu defenda Lamarck]
           Século XVIII: os testes da máquina capaz de fixar uma superfície sensível, por meio da luz, a imagem dos objetos, começaram a ser feitos - não se tem certeza da autoria da invenção, mas a revolução que ela causou é certa: o mundo contemporâneo não viu mais necessidade de fazer uma descrição minuciosa dos acontecimentos (ou das pessoas) e criou movimentos como o Futurismo, o Cubismo, o Impressionismo (...) para retratar o mundo de forma sentimental, não mais racionalmente - um mundo representado como é sentido e visto, não como realmente é.
             A tecnologia da câmera fotográfica é inferior a dos computadores, e, com eles, o individualismo está sendo cultivado e crescendo exponencialmente - o contato físico diminuiu e o comodismo vence ao confrontar a insatisfação - a arte perdeu espaço, assim como o pensamento. O tamanho da complexidade digital é inversamente proporcional ao esforço necessário para usá-la. - A habilidade manual não é desenvolvida e até mesmo a fotografia mudou de conceito: não basta a retratação idêntica, também se busca o expressionismo nas imagens fotografadas.
              Trocar o lápis e o papel por teclas de computador é como substituir o trabalho humano por robôs e  trocar um piano de cauda a base de cordas por um teclado eletrônico; por mais que seja preciso pensar para criar arte digitalmente, o esforço é reduzido, não se pensa por completo e a criatividade perde espaço. A tecnologia pode servir como contribuição para os artistas e ampliar as possibilidades de arte - as novas formas de expressão não visam ao desaparecimento das anteriores - sem desmerecer o suor do trabalho manual e pensando - a arte grita, Munch que o diga.

sábado, 20 de agosto de 2011

O Triste Fim da Integridade

            História de azares de um nacionalista: quem examinasse a sua coleção de livros veria com clareza a preferência pela literatura brasileira - Bento Teixeira, Gregório de Matos, Santa Rita Durão e os mais românticos José de Alencar e Gonçalves Dias. Policarpo Quaresma, personagem do autor pré-modernista Lima Barreto, esforçou-se para manter seus ideais e questionou constantemente deputados e o presidente Marechal de Ferro - tanta insistência resultou na morte do simplório brasileiro.
            Não existe verdade, a partir do momento em que existem pontos de vista; e eles não são iguais: as divergências deveriam ser usadas para a obtenção de lucro intelectual - na presença de bom-senso, há a retirada das ideias alheias para o enriquecimento das próprias; na sua ausência, os argumentos utilizados atritam-se e geram conflito: as controvérsias vão prosseguir até que alguém silencie. Melhor do que o silêncio, é buscar pacificamente a exposição de cada pensamento, porque, da mesma forma como não se quer alterar a própria opinião, o outro não quer ter a sua mudada - pode-se concordar, mas concordância não significa compreensão.
            Mesmo com a oportunidade de negar suas crenças e evitar a morte, Sócrates preferiu beber cicuta e morrer envenenado do que corromper sua alma. Acreditava que a integridade deveria ser preservada em qualquer situação, mas seu triste fim não convenceu aos que não aderiam às suas verdades. Já a conclusão de Quaresma, quando estava próximo da morte, foi de que deveria ter mentido, matado, e roubado durante sua vida, em vez de buscar a aprovação de seus ideais - a integridade matou Sócrates e foi morta por Quaresma; agiram de formas opostas; nenhuma terminou em felicidade, porém. - Defender um ponto de vista não há de ser motivo para arrependimento, mas teimosia deve.
           Usa-se da autoridade na falta de argumentos [Quaresma e Sócrates sofreram ainda mais devido às suas posições sociais e à falta de poder] como fizeram os eminentíssimos-reverendíssimos-senhores-cardeais-inquisidores-gerais com inúmeros cientistas e filósofos: Galileu Galilei foi obrigado a abjurar, amaldiçoar e detestar seus supostos erros e heresias, mas nem pela teimosia clerical o Sol deixou de ser o centro do universo e a Terra parou de mover-se.

domingo, 7 de agosto de 2011

Tanto Tempo

O dia fechou.
Janela esquecida aberta.
O vento uivava, cortava a carne, tensionava o músculo, arrepiava o pêlo.
Ela era bonita, como todos diziam, jovem - como se a idade fosse sinônimo de beleza. Nova e bonita.
Precisava levantar, não conseguia.
Só sentia a pele cortada, o músculo tensionado, o pêlo arrepiado. E a lágrima que teimava em não cair.
O frio anunciava o crepúsculo - queria ver o sol no horizonte. Não via. Não levantava. Queria. Queria o horizonte além das lágrimas horizontais.
E Pingava. Ouvia que pingava. Não lágrimas. Não chuva. Mas a solução-isotônica-glicosada que adentrava a veia e cortava, tencionava, arrepiava.
Branco sem névoa, sem sol, sem dia, sem nada.
Com tudo.
Com dor, com lágrima, com sofrimento.
Tanto tempo.
Sem cartas, sem telefonemas, sem respostas.
Com nostalgia, com tristeza, com saudade.
O vento trazia a lembrança do que jamais iria voltar.
Tão bonita. Tão jovem. Tão frágil.
O sol abriu. Ela não.