sexta-feira, 22 de julho de 2011

Tanto

São quantos
os prantos
aos cantos?

São tantos
os prantos
Sem santos.

E canto, 
recanto,
em canto.

São prantos
por tanto, 
levanto.

domingo, 17 de julho de 2011

Doce Calo

                 Estávamos ambos com a carne ainda fraca e a alma calejada, na esperança de encontrar uma carne forte com uma alma doce para preencher as lacunas recém desocupadas. Da mesma forma como o esquecimento foi forçado, a lembrança também está sendo. Não quis esperar por uma alma doce e deixei-me encantar pela tua tristeza: eu via nas tuas palavras cada amor desfeito e a eternidade desmentida. Um dia também jurei a eternidade - não jurei a niguém além de mim . O medo era grande. É grande. Nunca deixei a carne fortalecer, esperando por um resgate. Nunca quis superar a dor que todo-mundo-sente porque o sofrimento me reconfortava - na espera do reconforto das palavras dele pra me dizer que isso vai passar e pelas tuas pra dizer-me que já passou. E que podemos sorrir novamente.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

5,6,7,8

          Já não aguentava mais: a leveza para os olhos dos espectadores era dor para a artista. Todo o sofrimento tinha como objetivo a falsidade - demonstrar o movimento sem demonstrar a dor. - estica o joelho, fecha as costelas, encolhe a barriga, abre o en dehors, alonga os cotovelos -  não havia uma ponteira ou meia-calça que não estivesse marcada pelo sangue dos dedos machucados causados pelas constantes pressões da sapatilha.
          A competição era grande: não existe família na arte. Na arte dela não existia. Já não sabia mais se a cobrança interna era maior que a externa, só sabia que queria conseguir dançar - sem motivo, sem pra quem, sem.
          Os dias dos espetáculos aproximavam-se, os ensaios tornavam-se ainda mais intensos e a pressão aumentava - já não sentia mais os pés - e ia para a diagonal praticar a sequência de fouettés e, com raiva,  quebrava o breu pra evitar as quedas - por mais que quisesse cair, mas não queria ser culpada pela desistência - desistência soava, para ela, como covardia.
          5, 6, 7, 8: começava a barra. Primeira posição, plié, elevé, - por que ele não me ama? será que eu realmente o amo? - tandu, segunda posição, plié, elevé, vira a cabeça, port de bras - a professora corrige a postura, aperta o diafragma - os vômitos não têm sido eficientes? - elevé, pirouette, lado esquerdo. Fechava os olhos pra tentar não sentir, desequilibrava-se, mais uma correção era feita. - como alguém do tamanho dela consegue dançar na ponta dos pés? (risos) - ela ouvia, enquanto marcava a sequência de ronds de jambe. E também não sabia como conseguia dançar. Mentira, sabia sim. Simplesmente não dançava. Realmente os vômitos não estavam sendo eficientes. 
           Foundue, relevé, 120º, passé, a la second - eu tentei tanto, mas tanto, por que ela e não eu? - sous sous, outro lado - e, ao mesmo tempo do escorrer de uma lágrima, um fio de cabelo escorregou no seu rosto e o coque foi se desmanchando. Finalizava em uma quinta posição que mais parecia terceira. Mais correções. - É, não tinha como ser eu.
          Ela tentava. Ela queria a perfeição. Queria que não doesse mais, mas já não era possível, a espera já estava grande - tirou a sapatilha e já percebeu olhares de reprovação. Contou quinze. Quinze bolhas. A pele branca destacava os hematomas. A ponteira já não era mais eficiente. Gelol era nada. Xylocaina não ajudava mais. Nove. Nove compridos ela já havia tomado, mas não funcionavam. Sentia dor em músculos que ela nem sabia que possuía.
            Guardou a sapatilha. Engoliu as lágrimas. Não podia ser covarde. Foi preciso coragem pra desistir. Prendeu o fio do coque que havia caído.- se ele não me ama, eu que me ame. Chega disso.
           Nunca mais esqueceu os pliés, jetés, fondues, port de bras. - Um, dois. Cinco, seis. Três, quatro. Sete, oito. - Apenas desaprendeu a contar.
         
   

sábado, 9 de julho de 2011

A Doçura Pelotense

           A cidade Pelotas, localizada no sul Gaúcho, é famosa por ser a "Terra do Doce", devido à qualidade da cozinha doceira; assim como é conhecida por ser um local com muitos homossexuais - calúnia. A fama de carregar a bandeira do arco-íris só foi destinada a Pelotas porque, em meados do século XX, uma grande quantidade de homens foi enviada para França com o objetivo de estudar e, de lá, voltaram bem educados - a elegância não foi perdoada pelo gaúcho viril, virando motivo para deboche. 
          Simpatia não é falsidade, da mesma forma como educação e elegância não são frescura: os bons modos fazem falta na sociedade atual tão preocupada com o desenvolvimento - especialmente egoísta - e com o acúmulo de capital. Embora nem todos sejam de nosso agrado, a convivência, muitas vezes, é obrigatória e o cultivo de valores como a simpatia pode tornar o desgosto menos incômodo. Bons modos não deveriam surpreender: um cidadão pobre de São Paulo foi aplaudido ao devolver ao dono uma carteira com o dinheiro e os documentos intactos; mais do que um ato de cidadania, uma obrigação.
        Ser elegante é, também, passar despercebido: roupas adequadas às ocasiões, tom de voz agradável sem demasiadas alterações, até mesmo espirrar ou tossir sem chamar atenção; gestos que visam não incomodar o outro e acabam sendo notados devido à escassez de valores na sociedade contemporânea - a maioria da brigas poderia ser evitada se o tom de voz do argumento utilizado não soasse como uma agressão.
          Quando os rapazes pelotenses voltaram da França, além dos bons modos, desenvolveram ainda mais a linguagem falada, inclusive da Língua Portuguesa, que até hoje pode ser ouvida na sua cidade natal, com poucas falhas. Cada gesto de boa educação deve servir de exemplo e deve ser valorizado, até mesmo com a elegância ferida quando uma mulher fala um "obrigado" ou a atendente da padaria responde com um "obrigada você".

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Calcanhar de Aquiles

           Na mitologia grega, Aquiles foi um dos maiores heróis da Grécia, participante da Guerra de Troia e, consequentemente, personagem principal da Ilíada, do poeta Homero. Lendas afirmam que Aquiles era invulnerável, praticamente imortal, porém tinha uma fraqueza: seu calcanhar; e, dessa falha, sua morte foi resultante. 
             Era da globalização: já não existem mais fronteiras, os continentes voltaram a ser Pangeia - ao menos virtualmente - e abrigam a geração conforto, a qual está acostumada com a rapidez da transmissão de informações e na instantaneidade da resolução de problemas. Não há o desejo de aprender e o interesse pelo conhecimento está diminuindo gradativamente. 
           O Brasil - um país com sua história baseada na submissão e que até mesmo depois de sua independência manteve no governo um imperador português - não desenvolveu o suficiente as áreas relacionadas à educação (tanto é que, atualmente, o maior diferencial no brasileiro é saber corretamente a sua língua nativa e não mais um idioma estrangeiro), continuando seu desenvolvimento sem uma base estabelecida e, dessa forma, foi comprovando o chavão de que não se constrói uma casa pelo telhado; não é preciso ser um historiador para perceber que, certamente, a construção cairia. 
          A educação brasileira é o "calcanhar de Aquiles" do país, o ponto exatamente pelo qual pode desestruturar toda a Nação. A zona de conforto precisa ser quebrada e a base precisa ser urgentemente reconstruída; mesmo que, para isso, mais um movimento como a Inconfidência Mineira - a qual visava à criação de universidades e, principalmente, a independência - seja feito, com a grandiosidade de uma batalha da Antiguidade Clássica. 

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Arcádia Urbana

          Em meados do século XVIII, na Inglaterra, descobriu-se o poder do vapor: não mais trabalhos manuais, mas a maquinofatura que invadia uma sociedade recém saída do campo. O bucolismo perdeu espaço e a Arcádia foi concretizando-se no plano das ideias.
            Com a máquina e com o Capitalismo industrial, o século das luzes trouxe filósofos defensores da teoria de que os homens são iguais perante a natureza, sendo as desigualdades causadas pelo próprio ser humano - "foram aquinhoados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis e entre esses direitos se encontram o da vida, o da liberdade e o da busca da felicidade." Com o Capitalismo, a superioridade em relação aos outros é mais almejada, a competitividade é extrema e o pecado da ganância torna-se ainda mais invencível.
           É muito estresse para pouco dia: o trabalho parece interminável e as oito horas de sono diárias recomendadas não são cumpridas. Já não se está mais no século XVIII, entretanto o Capitalismo só evoluiu, juntamente à tecnologia. O dito dos poetas contemporâneos da Revolução Industrial de aproveitar o dia é esquecido e o refúgio de felicidade árcade passou a ser apenas nostalgia.
          A saúde não fica impune: produtividade tem limite. - diversos medicamentos são buscados para que o homem se tranquilize - A felicidade tornou-se mais um objeto de desejo, como o acumulo de capital, não mais um caminho para atingi-lo. - como se felicidade fosse obrigatória e a tristeza intolerante; que valor haveria em ser feliz caso o gosto da tristeza não fosse experimentado?
          O estresse não nasce das circunstâncias externas, mas da interpretação que é feita delas - que os fatores e estatísticas sejam menos motivo de preocupação e que a conciliação do lucro com o bem estar exista a partir de benefícios tirados do sofrimento anterior; que cada um reencontre a Árcadia por meio de um êxodo urbano, ao menos no mundo abstrato. Não mais remédios: a filosofia como terapeuta.